O Blog da Conjuntura Econômica da FGV divulgou nesta quarta-feira (10/08) entrevista do presidente da Comissão de Infraestrutura da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Carlos Eduardo Lima Jorge, sobre Reequilíbrio de Contratos. Confira a íntegra, a seguir:
Como a CBIC avalia o ambiente de negociação entre empresas e órgãos públicos/estatais para o reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de obras diante do choque inflacionário de insumos?
A situação que vivemos desde junho de 2020, quando começaram a surgir os efeitos da desorganização das cadeias de produção, causou um aumento excepcional de preço dos principais insumos da construção que há muito tempo não se via, tanto em magnitude quanto em rapidez. Falo do aço, do cimento, de tubos de PVC, materiais de cobre, entre outros. A legislação – desde a Constituição às leis de licitação, seja a 8.666, de 1993, como a 14.133, que passará a ter uso obrigatório a partir do ano que vem – deixa claro que eventos de magnitude imprevisível que impliquem aumentos de preços excepcionais caracterizam direito a reequilíbrio contratual. Só que nenhuma parte da legislação diz como isso deve ser feito. E aí começa o problema.
De um lado, as empresas sofrem com esse desequilíbrio, que gera prejuízos, e acionam o contratante. Mas como não há uma fórmula para calcular essa diferença, o contratante, via de regra, tem receio de proceder essa negociação, com medo de uma interpretação negativa dos tribunais de contas (é entendida como crime qualquer modificação de contrato em favor do contratado, com pena de reclusão e multa, se esta não estiver previamente prevista), e acaba não procedendo a análise do reequilíbrio.
De 2021, observamos alguns contratantes – prefeituras, governos estaduais, companhias estatais de saneamento – tomando a iniciativa de produzir atos normativos, decretos, instruções, cada um à sua maneira, para tentar resolver o problema. Contabilizamos ao menos 21 documentos. Mas não existe uma normativa federal que parametrize a forma de operar um reequilíbrio. E essa é uma das questões que a CBIC tem pleiteado, ainda que seja uma solução temporária, até o final de 2023, para reequilibrar esses contratos. Porque ninguém consegue prever, no curto prazo, esses preços refluindo em nível inferior. Ainda que a inflação esteja desacelerando, ela ainda é positiva, e incide sobre preços já altos. Outro fator importante quando falamos de obras públicas é que se trata de contratos em sua maioria de longa duração, muitas vezes superior a dois anos. Para aqueles firmados antes dos atuais choques, a expectativa de variação anual de preços de materiais girava em torno de 3% a 4%. Por isso temos insistido na busca de uma solução.
Os equilíbrios já negociados têm trazido otimismo ao setor?
Infelizmente, tenho visto casos de licitações desertas, porque as empresas estão inseguras quanto ao destino de seus contratos atuais, bem como de assumir novas obras. Isso já aconteceu para obras de saneamento, rodovias, e algumas obras de arte especiais, como pontes e viadutos. É uma pena.
Mas não tenho dúvida de que as iniciativas já concretizadas são um sinal positivo. Quem as promoveu pode não ter aplicado a melhor metodologia, mas essas prefeituras, governos e estatais salvaram seus programas de obras, e as empresas contratadas conseguiram sair da UTI e manter seus contratos vivos. A pior situação que a gente vê é entre os que não dão concretude para a análise de reequilíbrio de contratos. É assustador, pois estamos diante de uma situação amplamente comprovada.
Além das iniciativas na esfera subnacional, identifica outros aprendizados positivos para o futuro?
Uma das boas consequências que a crise deixa claro é o aumento do uso de índices específicos, ou fórmulas paramétricas, que facilita muito a demonstração do desequilíbrio no momento de se pedir um ajuste. Índices genéricos não representam necessariamente a realidade de custos de uma obra, já que em cada tipo – seja uma ponte, uma rodovia – o peso relativo de cada insumo muda. Quando se traz para dentro de um contrato um índice que reflete melhor a realidade daquela obra, garante-se mais segurança para ambas as partes.
Outro elemento interessante é que passamos a perceber um movimento – inclusive apoiado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) –, incentivando de forma mais vigorosa a chamada matriz de risco em todos os contratos, no qual se estabelece até onde vai a responsabilidade de cada parte. Por exemplo, de que uma variação de preço até um limite é de responsabilidade do contratado, e acima disso é do órgão público contratante. Espero que, a partir de agora, ele passe a ser adota em todos os contratos.
Mas também gostaríamos de que houvesse uma revisão da cláusula que determina a periodicidade mínima de 12 meses para o reajuste dos contratos. Isso até fazia sentido lá no início do Plano Real, quando esse prazo foi determinado.
Mas hoje, diferentemente do que o ministro Benjamin Zymler declarou ao Blog, não concordo com a ideia de que a redução dessa periodicidade alimenta a inflação. Porque quem determina aumento de preço é quem produz o insumo da construção, não quem constrói.
Por outro lado, se hoje preparo uma proposta para disputar uma licitação, tenho que pensar em um preço que me permita segurar o tranco por 12 meses. No fundo, esse bloqueio é que acaba onerando a obra pública. Na CBIC, consideramos que esse conceito precisa ser revisto, e temos trabalhado no Congresso para revisar o impedimento do reajuste mensal.
Entrevista publicada no dia 10/08 no Blog da Conjunta Econômica da FGV.