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A CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA E A JUDICIALIZAÇÃO DO CONTRATO
 
08.09.2021   
Notícia - Sinduscon

Para o direito privado a cláusula resolutiva expressa é uma disposição natural, muito comum e de enorme efeito prático no direito contratual, que define a distribuição de riscos, confere uma espécie de autotutela ao credor e compõe uma complexa equação econômica. O inadimplemento do contrato, diante da cláusula resolutiva expressa, autoriza o credor a dar por resolvido o negócio, independentemente de intervenção judicial. Resolvido o contrato, aplicam-se os efeitos da resolução previstos pelas partes e se extingue a relação contratual. Não faz parte dos cálculos econômicos das partes a judicialização da resolução do contrato.

Todos os dias milhares de contratos são resolvidos por força da cláusula resolutiva expressa, inclusive os contratos de aquisição de imóveis, especialmente aqueles adquiridos diretamente dos incorporadores, sem que as partes recorram à intervenção judicial, satisfeitas, presume-se, com os efeitos predeterminados da resolução. Portanto, para aqueles que interpretam o nosso direito no sentido de que é necessária a intervenção judicial para a resolução do contrato, estamos diante de uma espécie de revolta dos fatos contra a lei, quando a realidade social se mostra divorciada do Direito.

A cláusula resolutiva é inerente ao contrato bilateral, admitindo ao contratante prejudicado pelo inadimplemento o direito ou faculdade de dar por resolvido o contrato. Essa cláusula, quando não é expressa, é admitida no contrato como tácita (art. 474, CC). Vale anotar que há registro na doutrina de que a cláusula resolutiva expressa passou a ser praticada desde a Idade Média, e em razão da importância que assumiu passou a ser presumida a vontade das partes (tácita), quando não formulada expressamente. Não se cuida hoje, evidentemente, de presumir a vontade dos contratantes para aceitar a existência da cláusula resolutiva tácita, mas de reconhecer o direito próprio dos contratos bilaterais.

Quando a referia cláusula é ajustada expressamente, não deveria haver dúvida alguma quanto a aplicação do efeito resolutivo do contrato mediante a intervenção direta da vontade da parte inocente. Neste caso, não pode ser demandada, e não é necessária, a intervenção judicial. Afinal essa é a finalidade dessa cláusula inserida no contrato pela autonomia das partes. É necessário esclarecer que à parte inocente é assegurada, exclusivamente pela sua vontade, a escolha pela resolução (e não pela execução) do contrato. O Código Civil é expresso nesse sentido (art. 475), embora não se possa defender posições abusivas.

Logo, ao contratante cabe fazer uma simples declaração de vontade no sentido da resolução do contrato, sem necessidade da intervenção judicial, para fazer operar os efeitos da cláusula resolutiva. Nesse sentido é a orientação moderna dos Princípios UNIDROIT dos Contratos Comerciais Internacionais de 2004, assim como do Código Europeu dos Contratos. A sentença judicial não integra o ato resolutivo, que opera efeitos por força do contrato, e não da decisão do juiz.

É importante lembrar, ainda, que a recente reforma do Código Civil francês, promovida pela Ordonnance n° 2016-131 du 10 février 2016, eliminou do texto do Code a exigência de intervenção judicial para a resolução do contrato, que tanto influenciou o direito brasileiro, passando a estabelecer que a cláusula resolutiva expressa produz o seu efeito a partir da declaração de resolução promovida pela parte prejudicada, sem impedir, no entanto, que essa declaração de resolução seja demandada em juízo.1 É certo que se conservou no Code, em alguns casos, a exigência de notificação prévia para caracterizar o inadimplemento absoluto (e não a mora) e motivar a resolução do contrato, mas essa disposição do direito francês não desnatura o efeito da cláusula resolutiva expressa, que opera independentemente da intervenção judicial.

O nosso interesse neste artigo não é examinar a reforma francesa do Code, que modificou substancialmente o tratamento da resolução do contrato, mas abordar o tema da intervenção judicial nas relações contratuais, que está relacionado a uma recente decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferida em 10.08.2021, no REsp n. 1.789.863/MS, da qual foi relator o Ministro Marco Buzzi. O Acórdão ainda não foi publicado, mas o Informativo n. 704 do STJ, de 16.08.2021, destaca o entendimento adotado, por maioria de votos, no sentido de que: "É possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato".

Para entender o que representa a referida decisão, é necessário lembrar que o nosso direito civil sofreu inegável e forte influência do direito francês que, por razões de segurança e estabilidade jurídica, e por desconfiança de abusos do contratante, exigia a intervenção judicial na resolução do contrato quando a cláusula resolutiva não fosse expressa, diferentemente do que ocorre com o modelo alemão. A maior parte da doutrina brasileira se colocou de acordo com essa interpretação francesa aplicada ao nosso direito e entendeu que, nos casos de cláusula resolutiva tácita, somente ao juiz cabe resolver o contrato, apreciando a conduta do contratante reputado inadimplente.

Nosso legislador, no entanto, foi além e estabeleceu, em algumas hipóteses, que é necessário interpelar o devedor, já em mora e a despeito da existência de expressa cláusula resolutiva, para que se produzam os efeitos da resolução do contrato. E nossos tribunais consolidaram o entendimento de que é necessário que a resolução do contrato seja declarada por decisão judicial. É o que ocorre, especialmente, com os compromissos de compra e venda, por força do Dec.Lei n. 58/1937, modificado pelo Dec.Lei n. 745/1969.

Essa interpretação, muito forte nos tribunais brasileiros, afirmada e reafirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (ver a respeito, o julgamento do AgInt no Agravo em RECURSO ESPECIAL n° 1.278.577/SP, de 18.09.2018, DJe 21/09/2018, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão), foi agora revista para admitir os efeitos da resolução do contrato, no caso a reintegração de posse, produzidos pela cláusula resolutiva expressa, dispensando-se a intervenção judicial.

Essa inovadora interpretação da nossa Corte Superior foi recebida com aplausos pelos agentes econômicos e está em consonância com a realidade social e com a nossa Lei, cujo sentido agora se vê reforçado pelas disposições da Lei de Declaração da Liberdade Econômica (lei 13.874/2019), que defende a intervenção mínima nas relações negociais, ao lado de um movimento de desjudicialização, principiado há alguns anos. De fato, no rigor dos termos, o Código Civil em nenhum momento impõe a intervenção judicial para a resolução do contrato, que se opera efetivamente por força da cláusula resolutiva, expressa ou tácita. O equívoco da interpretação sempre recaiu sobre a parte final do art. 474 do Código Civil, quando se refere a "interpelação judicial". Não exige o Código, como resulta da literal interpretação, a "intervenção judicial". Basta, para os casos de cláusula resolutiva não escrita (tácita) a interpelação, e nem é preciso que seja feita judicialmente.

A interpretação que sempre se deu ao Código Civil no sentido da necessidade da intervenção judicial (e em relação ao Código de 1916 não foi diferente) incorre em um grave equívoco, tanto quanto ao direito privado, quanto na forma de pensar a atuação jurisdicional do Estado. Ao se exigir a intervenção judicial para a resolução dos contratos, se elege a sentença como parte integrante do ato resolutivo, desqualificando a cláusula resolutiva. E mais: ao exigir a intervenção judicial para a resolução do contrato, quando ainda não se estabeleceu o litígio entre as partes, se apresenta ao Judiciário uma demanda que não atende ao mínimo interesse processual, definido pela utilidade e necessidade da providência jurisdicional. Não havendo litígio entre as partes a respeito dos efeitos da resolução do contrato, não há razão para exigir o pronunciamento judicial a respeito da resolução do contrato, como se fora o magistrado um tutor da autonomia privada. Bem por isso cuidou a reforma francesa do Code de estabelecer que o devedor pode, a qualquer momento, apelar ao juiz para contestar a resolução do contrato e os seus efeitos (artigo 1226.[...] Le débiteur peut à tout moment saisir le juge pour contester la résolution. Le créancier doit alors prouver la gravité de l'inexécution.). Ou seja, o juiz é chamado a atuar a jurisdição depois, e somente depois, que se instaura entre as partes um verdadeiro litígio sobre os efeitos da resolução do contrato.

Essa forma de pensar a atuação jurisdicional deve prevalecer em outras áreas do direito privado. É o caso, a título de exemplo, da exclusão de sócios nas sociedades em geral, que deveria ocorrer exclusivamente no plano das deliberações sociais, assegurando ao sócio que se sentir prejudicado o acesso à jurisdição, mas sempre depois, e não antes, da deliberação social. Hoje, ao contrário, o Código Civil impõe que a exclusão seja determinada por ato do juiz - sentença judicial (art. 1.030, CC), judicializando a vida da sociedade antes que se verifique a existência do litígio entre as partes.

A inovadora decisão do Superior Tribunal de Justiça referida (direito vivente), que rompe com a longa e persistente influência francesa no direito brasileiro e restabelece a efetividade da cláusula resolutiva, augura-se, poderá abrir caminho para uma nova interpretação da atuação da jurisdição em matéria de direito contratual, que deve, por imperativo lógico, se ocupar dos litígios, e somente dos litígios, interferindo nos negócios privados apenas quando necessário. Uma mudança da cultura que adquirimos ao longo do século passado é necessária, não apenas no sentido de valorizar a autonomia privada, mas também no sentido de qualificar a atividade jurisdicional, repensando-se a ideia da permanente tutela do Estado na vida privada. Fonte: Migalhas

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